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terça-feira, 22 de junho de 2010

Mecanismo do Sucesso

O Rafael usou a tradução da Sextante. A da Martin Claret é um pouco diferente:
Caráter e Inteligência
São os pólos que fazem luzir os predicados. Um sem a outra é apenas meia felicidade. Não basta ser inteligente; é preciso também ter o caráter apropriado. O tolo fracassa por desconsiderar sua condição, posição, origem, amizades.
Essas duas traduções tem uma coisa em comum, isto é, estão erradas, o que confundiu o Rafael a ponto dele não conseguir emitir opinião sobre nada e que levou o Acid a crer que Grácian defendia a honestidade. O que de fato foi escrito segue:
Genio y Ingenio. Los dos exes del lucimiento de prendas: el uno sin el otro, felicidad a medias. No basta lo entendido, deséase lo genial. Infelicidad de necio: errar la vocación en el estado, empleo, región, familiaridad. 
Acredito que a tradução correta, ou pelo menos mais adequada e compreensível para o nosso tempo, seja: personalidade e inteligência. A palavra "caráter" ali não indica, como vou mostrar, nenhuma imposição moral, nenhuma sugestão ética: ela trata de características próprias da pessoa, fala dos seus caracteres, não do Caráter, com letra maiúscula e defensor dos bons costumes. Não creio, no entanto, que Grácian veja nessa personalidade a essência imutável de alguém, como se discute aqui, mas que ele a enxerga de um ponto de vista estratégico. A personalidade e a inteligência de alguém são os eixos (tradução melhor para exes ou ejes; "pólo" traz de fato toda a confusão a que o Rafael aludiu) do processo de "iluminar as qualidades", isto é, iluminar, fazer aparecer, fazer com que se perceba os próprios adjetivos.

O que é esse iluminar as qualidades? Temos uma expressão cotidiana e contemporânea disso:
"Muitos possuem competências e, por vários fatores, elas não são facilmente reconhecíveis. Habilidades encobertas geram desvantagem, especialmente quando a competição é acirrada. Todos já se perguntaram: porque fulano, sendo menos preparado, menos hábil, menos esforçado e experiente, galgou sucesso pessoal ou profissional maior do que o nosso? Talvez uma das respostas seja a prática do marketing pessoal, uma estratégia para atrair e desenvolver relacionamentos interessantes do ponto de vista pessoal e profissional e dar visibilidade a características e competências relevantes na perspectiva da aceitação e do reconhecimento por parte de outros". [completo]
É um salto no tempo, mas creio que é precisamente isso que Grácian quer dizer; é engraçado, cremos que essa obrigação de autopromoção é uma coisa da nossa época capitalista. Será que é mesmo?

Se formos adiante no aforismo, teremos mais paralelos com o nosso tempo. "Infelicidade do nécio: errar/ se enganar sobre a vocação, as condições, as características próprias de certo emprego, região, etc". Talvez eu não faça uma tradução muito exata aqui, de qualquer modo acredito que aqui se diz o seguinte: cada situação, cada configuração de interesses variados implica em uma postura por parte da pessoa. Se em certa condição honestidade for um valor, então, para que suas qualidades sejam vistas, o indivíduo deve mostrar-se honesto. A personalidade deve ser algo maleável, adaptável, possuir resiliência, como se diz hoje. Esse é o segundo paralelo possível com a atualidade: o homem, talvez não integral, mas, certamente, resiliente.
"Pessoas resilientes são capazes de utilizar as pistas que lêem nas outras pessoas para reorientar o comportamento, promovendo a auto regulação; identificam precisamente as causas dos problemas e das adversidades presente no ambiente; compreendem os estados psicológicos dos outros (emoções e sentimentos). se conectam a outras pessoas com a finalidade de viabilizar a formação de fortes redes de apoio". [completo]
Há em Grácian pelo menos a sugestão de que inteligência é uma coisa múltipla. Se pensarmos no que o aforismo imediatamente anterior afirma, percebemos que essa é sua continuação necessária, sua ampliação: existe a pessoa inteligente, que percebe, aprende, intelige; e a pessoa social, inserida no meio e lidando com contextos e indivíduos. Podíamos alterar e atualizar o aforismo dessa forma: "inteligência emocional e inteligência interpessoal, de um lado, e as várias inteligências cognitivas de outros — dois grupos de eixos que fazem com que as qualidades sejam percebidas por todos. Um sem a outro, alegria pela metade". Grácian fala de eixos, de ferramentas, de mecanismos para o sucesso.

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